Upstream Portugal – Espírito de Missão

Upstream Portugal - Espírito de Missão

Upstream Portugal – Espírito de Missão

Paulo Cavaleiro formou-se em engenharia do ambiente, mas a vida levou-o para a área financeira. Durante anos tratou das finanças de empresas da área da construção, mas em 2016, quando se viu no meio de uma guerra civil na República Democrática do Congo, pensou, “o que é que eu ando aqui a fazer?”. Com 56 anos e a carreira feita, estava na altura de mudar o rumo, de encontrar outra missão. E foi com esse espírito e o apoio do Programa Tourism Creative Factory do Turismo de Portugal que Paulo Cavaleiro (Paulo) fundou a Upstream Portugal em 2016.

A opção de investir no turismo e no interior do país, não foi casual. Paulo foi um dos grandes instigadores do Triatlo em Portugal, modalidade que praticou e ajudou a desenvolver, tendo sido o segundo Presidente da Federação de Triatlo de Portugal, que em outubro passado comemorou 33 anos de existência. O gosto pelas atividades ao ar livre e baseadas na natureza estava lá e a prática da modalidade deu-lhe um profundo conhecimento e gosto pelo interior do país.

“Criei a visão que podia fazer algo pelo interior usando o turismo como ferramenta de desenvolvimento e lançamos a ideia”, conta. Como na altura residia em Lisboa, o primeiro passo foi mudar-se. Para escolher o sítio contactou várias Câmaras Municipais no sentido de perceber qual a que tinha mais interesse em ter uma empresa do género na sua região. “Tive respostas curiosas”, conta, a rir, mas a resposta do Município do Fundão, através de Ricardo Gonçalves, responsável do departamento de Investimento & Startup Fundão, foi a mais interessante. “O Ricardo foi o grande impulsionador da instalação da Upstream no Fundão. Ele teve sempre uma visão muito nítida sobre o que se poderia fazer pelo turismo da região”, explica. “Às vezes, as coisas não são feitas por qualquer outra razão senão pelas pessoas que encontramos no nosso caminho”, diz.

A Upstream Portugal nasce na Incubadora “A Praça”, no Fundão, onde fez grandes amigos como Toni Barreiros (foto 2), o Coordenador do Departamento de Inovação do Município, e Paulo muda-se para a “capital da cereja”. “Nos primeiros tempos vivi numa autocaravana no parque de campismo, mas depois acabei por arrendar uma casa”, conta. Seguiu-se a fase de construção do negócio. No início de 2017, a Upstream Portugal ganha novos sócios e contrata o primeiro colaborador, e o feedback de um périplo pelo país indicava boas perspetivas. “Vimos que havia muita gente a fazer turismo no território, turismo identitário, genuíno, mas que não tinha forma de chegar ao grande público”, explica. A empresa rapidamente conseguiu colocar mais de duas centenas de produtos – experiências turísticas – na plataforma tryportugal.pt e, apoiado por Catherine de Freitas, uma sócia luso-canadiana com conhecimentos do mercado internacional, avançaram para a promoção em feiras internacionais. Quase no final de 2017, o objetivo de desenvolver uma plataforma colaborativa de turismo de natureza e cultural, suportada numa rede nacional de animação turística, estava cumprido. Mas, de repente, “ardeu tudo”, diz.

Renascer das cinzas
Em outubro de 2017 ardem 54 mil hectares de área florestal, sobretudo no centro do país, e o turismo de natureza esfuma-se. A Upstream Portugal ficava, de repente, sem negócio. Ou esperavam pela regeneração da natureza ou iam para outro território, desistir é que não estava nos planos. “O que vale é que nestas startups de velhos há sempre alguma capacidade de encaixe”, conta Paulo. Nesta fase, a Upstream Portugal era já composta por um núcleo de sócios com competências e conhecimento diversificados e através de um trabalho conjunto apoiado em consultoria encontraram um novo rumo. “Descobrimos os concursos públicos relacionados com projetos de infraestruturação do território”, conta Paulo, e avançaram para o primeiro, um projeto promovido pelo Turismo do Alentejo e Ribatejo, que consistia na identificação, levantamento, implementação e promoção dos Caminhos de Santiago naquelas duas regiões.

“Esta vertente de consultoria enquadrava-se no que nós queríamos, permitia-nos desenvolver novos produtos turísticos sem gastar dinheiro e contribuiu para aumentar o nosso know-how turístico”, explica o Diretor Geral da Upstream Portugal, sublinhando a diferença entre a consultoria da Upstream Portugal e a realizada pela maioria das empresas deste segmento. “Enquanto a maioria das consultoras decide, define ou desenvolve estratégias de turismo, nós concentramo-nos sobretudo na sua implementação e operacionalização”, afirma. A esta área juntou-se mais tarde a área de organização de eventos, um instrumento importante nos processos de ativação e contato com o mercado. No ano passado, e só no Alentejo, a UpStream Portugal organizou 14 conferências.

Em 2019, o negócio da Upstream Portugal era bastante diferente do pensado inicialmente. A empresa dividia-se agora por três áreas: a consultoria, com criação de produto turístico e respetiva implementação e operacionalização, a promoção e animação turística, através da plataforma tryportugal.pt, e a organização de eventos. Todavia, era preciso dinheiro para fazer crescer os novos braços do negócio e, pela segunda vez, foram bater à porta da Portugal Ventures, a sociedade de capital de risco do Estado Português.  

Para evitar novo chumbo, como em 2018, desta vez levaram o projeto mais estruturado e com uma visão ibérica, escalável. “Em conjunto, Portugal e Espanha são o maior mercado mundial de turismo. Vem mesmo muita gente para a Península Ibérica e nós vimos nesta realidade uma enorme possibilidade de fazer cross-selling, explica o empreendedor. O pitch foi convincente e a Portugal Ventures entra no capital da Upstream Portugal em setembro de 2019.

“Enquanto os bancos estabelecem uma relação meramente financeira, os business angels e os fundos de capital de risco procuram o desenvolvimento do negócio”.

Não é muito comum a presença de capital de risco na criação de empresas do setor do turismo, a não ser que tenham uma componente tecnológica e capacidade de escala muito elevadas. No entanto, para o gestor, este é um paradigma a alterar no empreendedorismo do turismo do interior. “Não se pode investir com recurso aos bancos. Pedir emprestado é constituir défice e, em zonas de alto risco, é muito arriscado”, diz.

Segundo o gestor, o interior precisa de instrumentos de investimento alternativos como o capital de risco, porque esta modalidade constitui a parceria que os investidores procuram. “Enquanto os bancos estabelecem uma relação meramente financeira, os business angels e os fundos de capital de risco procuram o desenvolvimento do negócio”, sublinha.  “Já houve uma tentativa de criar um fundo de capital de risco regional, mas, não sei porquê, gorou-se”, conta. “As CIM deviam concentrar-se nisto porque são parte integrante e, sobretudo, entidades dinamizadoras das regiões”, defende.

Seis meses após o investimento da Portugal Ventures, novo revés. A pandemia invade a Europa e a atividade económica para. No entanto, a atividade de consultoria manteve-se. “Houve muitas entidades que viram naquele período um bom momento para estruturar o que não estava bem e preparar o pós-pandemia, o que nos permitiu aguentar até à situação atual”. Nestes dois anos, além da implementação dos Caminhos de Santiago no Alentejo e no Ribatejo, desenvolvemos rotas culturais, de fortalezasmegalitismoarte barroca e a Rota da Cultura Avieira do Tejo. Com a Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, trabalharam os Caminhos de Fátima e, em Almeida, desenvolveram as rotas históricas do município. Estabeleceram também uma parceria com o Centro Nacional de Cultura para a gestão dos Caminhos do Tejo e iniciaram uma colaboração com o Instituto Politécnico de Portalegre para estudar os modelos de peregrinação de todos os caminhos relacionados com a Fé que existem em Portugal para melhorar a experiência do peregrino. “Felizmente, não nos faltou trabalho”, conclui.

Visões enviesadas
Paulo Cavaleiro não se arrepende da decisão tomada em 2016. Aos comandos da Upstream continua focado no desenvolvimento do turismo no interior, mas defende que é necessário remover algumas pedras do caminho para chegar ao destino desejado.

“Os caminhos são um trunfo para o desenvolvimento do território, porque permitem que qualquer pessoa que os faça, capte informação e regresse noutra circunstância, com outro perfil de turista para visitar outros locais que identificou e gostou”, explica Paulo Cavaleiro, sublinhando que é por isso que há um conjunto de produtos turísticos que são transversais ao território, independentemente da motivação inicial.

Os Caminhos de Santiago são para o empreendedor um exemplo. Por cada peregrino que chega a Santiago de Compostela, há mil a fazer um dos caminhos europeus e, em Portugal, estima-se que, por ano, dez milhões de pessoas façam pelo menos uma etapa de um Caminho de Santiago. “Ou seja, os caminhos ditos religiosos não são mais do que uma experiência cultural, de natureza, ou uma experiência de vida mais ou menos espiritual. As pessoas não os fazem por uma questão de fé”, defende.

Para Paulo Cavaleiro, não faltam recursos turísticos de qualidade no interior do país, mas está-se a cometer um grande erro na promoção turística. “Continua-se a oferecer produto com base numa atividade ou num recurso, quando ele deve ser promovido pela experiência”, diz. “Os nossos percursos pedestres e ou de BTT não têm qualquer vantagem competitiva em relação aos existentes em Espanha ou em outra qualquer parte do mundo”, conclui.  

“O processo de desenvolvimento colaborativo entre municípios e regiões é nulo e as CIM deviam ter aqui um papel decisivo”.

O segundo grande desafio apontado pelo empresário na estratégia do turismo do interior está na mudança do papel desempenhado pelo setor público. Aliás, na verdade, é um desafio com duas partes. Uma refere-se ao papel dos municípios e das Comunidades Intermunicipais (CIM) no processo de desenvolvimento turístico. Tal como acontece com as praias fluviais, com o modelo de infraestruturação e posterior concessão, “compete às entidades públicas dar condições a um determinado recurso, mas a conversão do mesmo em produto turístico é da competência dos operadores privados”. Caso contrário, os municípios acabam, como muitas vezes acontece, a fazer uma concorrência desleal aos agentes privados e a impedi-los de crescer.

Já a segunda parte, diz respeito à inexistência de uma visão global ou pelo menos regional do desenvolvimento do turismo. O gestor ilustra o cúmulo desta situação quando há algum tempo a Upstream Portugal recebeu um pedido para elaborar um plano estratégico de desenvolvimento turístico para uma Junta de Freguesia. “O processo de desenvolvimento colaborativo entre municípios e regiões é nulo e as CIM deviam ter aqui um papel decisivo”, afirma. “Estas duas situações são perenes e transversais a todo o país. Temo que esteja a acontecer uma municipalização do turismo no interior”, confessa.

Apesar das dificuldades que tem encontrado, o gestor tem conseguido descobrir caminhos alternativos para a Upstream Portugal e demonstrado ter a resiliência necessária aos empreendedores de sucesso. Será herança da prática do Triatlo? Talvez. Diz-se que o desporto ensina a ultrapassar dificuldades. Mas, certo é que, “correr por gosto, não cansa”.

in – https://inature.pt/inature/noticias/noticia/?nid=Upstreamportugal